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Domingo sem partida de futebol e sem quem melhor narra uma partida

José Silvério deixou o rádio, mas o rádio jamais vai deixar o Zé. Ainda mais aquele radinho que ele ganhou ainda menino que o levaria para o rádio, com um distintivo gigante de um dos três times pelos quais ele torceu. Para contar as melhores histórias do futebol. 

Eu e José Silvério trabalhamos juntos por 12 anos
Eu e José Silvério trabalhamos juntos por 12 anos

Por Mauro Beting

Hoje não tem jogo. Mais um domingo sem futebol no Brasil. E não pode mesmo. É bom mesmo ficar em casa. Quem a tem. Quem pode.

Ouvindo de coração quem sempre entrou nas nossas saudando os ouvintes do Brasil desde 1963. Ouvindo também pelas ruas desde 1975 no dial paulista, pela Jovem Pan. Escutando nos trabalhos desde 2000 na Rádio Bandeirantes onde passara rapidamente em 1985. Aprendendo nas escolas onde tive a honra de dividir microfone, de 2003 a 2015, com o Pelé da narração esportiva.

Alguns domingos já passaram desde que ele deixou o rádio. Mas não tem como um nome como ele deixar o rádio. Não tem como o rádio não sentir a partida do microfone de quem melhor narrou a partida de futebol.

Quando Basílio virou Pé de Anjo em 1977, quem conseguiu descrever aquele bate-rebate que durou 22 anos na área da Ponte Prega foi José Silvério. Quando Paolo Rossi foi a arma que dizimou o sonho canarinho em 1982 foi ele quem trouxe a má notícia.

Mas era ele quem conseguia descrever as proezas do Inter dos anos 1970, do Cruzeiro querido campeão da América em 1976, do Flamengo de 1981-82, da Democracia Corintiana em 1982-83, do São Paulo dos Menudos de 1985 a 1987, da elegância de Bobô no Bahia de 1988.

Silvério foi quem colocou os lances do Corinthians campeão brasileiro como se fosse Neto. Foi a voz dos títulos do Tricolor de Telê, de 1991 a 1993. Soltou a voz quando Evair acabou com 16 anos de silêncio do Palmeiras. Narrou o Grêmio campeão de quase tudo de 1994 a 1996. Narrou a dor da Lusa quase campeã em 1996.

O Vasco que também tinha um canto do coração campeão da América em 1998. O Palmeiras que tinha outro pedaço em 1999. O Corinthians conquistando o mundo pela primeira vez em 2000.

Quando depois ele foi narrar em outro prefixo. Com a mesma competência, capacidade a antevisão de craque. Sou testemunha tanto auditiva quanto ocular. No segundo jogo que transmiti ao lado dele, narrou um gol antes de a bola entrar. Ousadia, sim. Conhecimento, muito mais. E não foi só um. Foram vários. Só uma vez a bola não entrou. Erro dele? Não. A bola que não ouviu. E só ela não ouvia o Zé.

Vi, vivi e convivi com alguns craques em vários ofícios. Sou filho de uma mãe que é craque em família. De um pai que foi craque na minha matéria. Tenho um irmão craque em aviação. Tenho filhos que são craques – e não só por que todo o filho é craque. Minha mulher é craque no amor e em lidar com pessoas.

Não são muitos craques na vida. No ofício, também. Trabalhei com alguns. Ainda trabalho. E todos eles têm a antevisão dos fatos, dos feitos, dos jeitos, das coisas. Eles enxergam antes. Eles veem além. Eles sentem antes. Eles sacam primeiro. Eles entendem no ato. Eles fazem antes da obra feita.

Alguns pensam, agem, executam, opinam. Poucos falam. Raros narram.
Um antecipa.

Ninguém no rádio como ele.

Antes de a pelota ultrapassar a linha de meta, ele já gritou gol. Já sentiu gol. Já cheirou gol. Já narrou gol. O gol é meta dele. É objetivo como meta. Como ele é objetivo no trabalho.

Tem craque que nasceu para fazer gol. Tem um craque que nasceu para narrar gol. Como bem definiu outro craque mineiro lá de Muzambinho: ele é o pai do gol. De todos eles que só ele viu nascendo antes de eles existirem.

Ele cobra muito de todos. Dentro e fora de campo. Por que se exige demais. Ele se concentra antes de cada partida. Ele narra o que é belo e o que é feio. O que é fato e o que é feito. Não floreia – narra.

Ele é concreto como um gol que é ou não é.

Ele é. Ele é o Zé.

Capaz de narrar o que é um drible de Mané, um passe de Rivellino, uma ginga de Neymar, um gol de Pelé. Um gol narrado pelo Zé.

Drummond falava de um mineiro como ele que fez mais de mil gols. “Difícil não é fazer 1000 gols como Pelé. Difícil é fazer um gol como Pelé”. O poeta falaria fácil de outro mineiro de Itumirim que deixa tudo menos complicado: “Difícil não é narrar milhares de gols pela vida. Impossível é relatar um gol como faz o José Silvério”.

Obrigado por nos dar a emoção de um grito de gol do nosso time. Obrigado por me dar a honra de ouvir você gritar gol ao meu lado. Obrigado por tantas vezes narrar gol do nosso time no meu telefone celular para os meus filhos ouvirem de casa em vez de ouvir pelo rádio. Obrigado por algumas vezes ter feito o mesmo para o meu pai que morria de medo de alguns jogos do nosso time. Obrigado por em Dortmund narrar Brasil 3 x 0 Gana na Copa de 2006 com a precisão e emoção de sempre e, ao desligar o microfone, desabar no choro pela Tianinha que adoecera em São Paulo antes de a bola rolar. Obrigado por narrar em Barueri um jogo nada apaixonante como se você fosse um adolescente apaixonado quando conheceu a Rose.

Amigos, isso eu posso soltar a minha voz: se ouvir um gol do nosso time narrado pelo Zé é maravilhoso, posso dizer, depois de 12 anos de trabalho na cadeira do lado, que ouvir até os gols que tomamos pelo nosso time são menos feios. Por que são narrados por um craque.

O que pedalou com Robinho em 2002, o que foi chapelando com um gol e uma narração de placa de Alex no mesmo ano. O que defendeu com Rogério Ceni no Japão em 2005, o que foi invicto na libertação corintiana na América em 2012. O que Gabiru em 2006, o que foi tri com o São Paulo em 2009, o que narrou quatro jogos ao mesmo tempo na decisão do hexa do Flamengo em 2009, o que foi tri com Neymar em 2011, o que narrou o Palmeiras voltando a ser Palmeiras a partir de 2015. O que narrou um espetacular Flamengo em 2019 no ano em que o Cruzeiro não foi Cruzeiro.

Como ele vinha cantando a bola que não entraria mais. Diferente do Ronaldo de 2002. Igual a do Baggio em 1994.

Para todas as sensações, o remédio no rádio foi Silvério. Pode ser amargo, pode ser doce como xarope. Mas é básico. É Silvério.

Meu amigo e meu ídolo, um bom domingo a você que fez todos os nossos domingos mais emocionantes. Até quando não tem jogo.

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